Centenario Universidade do Porto
Myspace U.PortoFacebook U.PortoTwitter U.Porto
NEWSLETTER
 
 

José Augusto R. dos Santos: "A U.Porto é a instituição mais importante da cidade”

  Partilhar
O Olhar de...

- Professor universitário e treinador português

- Professor Associado com Agregação da Faculdade de Desporto da U.Porto (FADEUP), onde coordena o Gabinete de Atletismo e o Departamento de Desportos Náuticos

- Preparador Físico das seleções nacionais de futebol de Portugal (EURO’2000) e da Coreia do Sul (2003-2004), treinou ainda várias seleções nacionais de Canoagem

- Antigo estudante do ISEF / Instituto Superior de Educação Física  da Universidade do Porto (antecessor da atual Faculdade de Desporto), com Licenciatura em Educação Física (1981)

 

- Como é que teve origem e se desenvolveu a sua ligação à Universidade do Porto? Que principais momentos guarda da sua experiência enquanto estudante e professor da FADEUP (e instituições que a antecederam)?

 

Nos meus 10 e 11 anos morei na rua da Fábrica. O meu pai levava-me muitas vezes ao Piolho onde tinha a sua tertúlia de amigos da sueca, desporto radical de alta competição, bem regado e bem fumado, praticado religiosamente todos os domingos na tasca do Júlio Lobo.

No Piolho conviviam, em saudável exclusivismo e sem contaminações demagógicas, as tertúlias dos trabalhadores e as dos estudantes e professores da Universidade. De uma forma quase tácita conviviam no mesmo espaço mas ignorando-se mutuamente. O engraxador era o único que fazia a ponte relacional entre o lumpemproletariado e a estudantada e doutores, em colóquios exclusivamente futebolísticos.

Desse tempo de sonho e desprendimento, em que era obrigado a assistir às novenas de Maio na igreja das Carmelitas, retenho a reverencial admiração que os estudantes de Medicina me provocavam nas suas lutas titânicas contra os calhamaços de Anatomia ou Fisiologia. 

Os estudantes universitários eram para mim semi-deuses do conhecimento que eu escutava respeitoso nas suas trocas de dúvidas e opiniões. Antes de qualquer outro sentimento a Universidade do Porto convocou em mim um respeito religioso que tinha nos estudantes do Piolho os seus mais ilustres acólitos.

Naquele tempo a Universidade, embora exaltada como templo do saber, era uma instituição que acentuava a segregação social pois as possibilidades de educação no país de então eram reduzidas e a taxa de analfabetismo muito elevada.

Sempre vi a Universidade como miragem, unicamente aberta a iniciados que tinham a sua via iniciática pela frequência do liceu. Eu, professo dos cursos técnicos, sentia a Universidade como impossibilidade.

Quando comecei a jogar basquetebol no CDUP senti de imediato um sentimento de inferioridade em relação aos colegas universitários. Tentava colmatar o meu défice de formação treinando mais do que eles e elevando-me pela via desportiva, mas sentia que me faltava algo que só encontrei após o serviço militar.

Com o 25 de Abril a Universidade do Porto abriu-me as portas e a muitos outros que sem aquele momento libertador teriam ficado excluídos da formação universitária. A Universidade do Porto soube transformar-se abrindo as portas à renovação. Hoje é uma escola plural, rica e diversificada, que responde com eficácia aos desafios duma sociedade em rápida transformação.

Hoje, pertencer à Universidade do Porto é fazer parte duma instituição que engrandece a cidade, a região e o país, e por isso nos obriga a uma superior responsabilização. Perscrutar o futuro é missão primeira da Universidade. Rejeitando transformar a Universidade numa fábrica de empregos devemos privilegiar uma formação plural, profunda e adaptada à procura de novas soluções profissionais quando as tradicionais se esgotam. Este desiderato só se conseguirá se as escolas que integram a Universidade do Porto pensarem a realidade na sua complexidade transformadora.

 

Como se constrói uma faculdade: Poderia ter utilizado os conceitos “edificar” ou “levantar” para definir a criação da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP) mas, ao optar pelo termo construir, relevo a força das coisas que dão trabalho erguer. Há algo de físico no conceito constrói que bate certo com a alma da nossa escola.

É difícil despir as roupas da emoção quando falo da FADEUP, porque faço parte dela há mais de 35 anos. Tem sido uma imensa viagem que me permitiu descobrir horizontes fora de mim mas essencialmente as paisagens internas que eu jamais tinha tocado.

Quando olho para trás, sem saudosismos ou revivalismos adulterados (quase sempre a memória distorce-nos o passado), sinto a gratificante sensação de ter contribuído com a minha ínfima quota para a construção de algo importante e de profunda pregnância social.

Mas lembremos. Em Outubro de 1974 rumei a Lisboa, eleito pelos meus pares estudantes, para os representar na Comissão Instaladora que viria a elaborar o decreto-lei 675/75 que criou os Institutos Superiores de Educação Física de Lisboa e Porto. Fui para Lisboa ávido por sentir o pulsar mais forte da revolução iniciada com o 25 de Abril. Embora todo o país estivesse “em fogo”, era em Lisboa que as acontecências mais ardiam. Embrenhei-me nelas até ao tutano.

Por influência do José Manuel Constantino, aderi ao M.R.P.P., e passei a acreditar (não muito) que a solução revolucionária para o país passava por dar o poder político aos camponeses e operários. Até escrevi poemas em que exaltava as virtudes do fato-macaco manchado de óleo e as mãos nodosas dos camponeses encardidas pelas jornadas de trabalho debaixo do sol inclemente. Deste meu fervor revolucionário ficaram-me algumas vergastadas no lombo cirurgicamente perpetradas pela polícia de choque quando rumamos ao cinema S. Luís para “revolucionariamente” boicotar o comício dos “saudosos salazarentos” do CDS.

A minha militância política terminou 6 meses depois, ao verificar que enquanto eu, e outros pacóvios como eu, passavam as noites na Lisboa profunda a colar cartazes, os condottieri revolucionários iam dormir (ou seja iam, com a ajuda de Morfeu, definir as linhas estratégias da política a seguir; o chefe nunca dorme, pensa profundamente).

Desse tempo ficaram-me alguns amargos de alma pois contribuí com a minha “estupidez revolucionária” para perpetrar algumas ações nefandas comandadas por agentes sediciosos propagandistas dos amanhãs que cantam: foram os saneamentos selvagens de professores válidos e bondosos só porque tinham dado aulas na Mocidade Portuguesa; foram as passagens administrativas com notas elevadas a cadeiras para as quais não tínhamos lido uma letra; foram os oportunismos vários das várias corporações profissionais que procuravam pela via da reivindicação política aquilo que não tinham conseguido pela via académica, etc. Se tenho alguma desculpa para os erros desse tempo ela radica na acrisolada crença na bondade da revolução. Só mais tarde dei pelo logro e descobri que homo homini lupus, por muita fé na humanidade que alguns apregoam. Desse tempo ficou-me a aversão à política sectária e a descrença nos grandes desígnios da humanidade.

No meio de todos os excessos revolucionários alguns tentaram construir um Portugal melhor. Tive a felicidade de integrar um grupo apostado em elevar socialmente a Educação Física e o Desporto. Nenhum oportunismo conseguiu estragar a via de excelência formativa e profissional que encetamos nessa altura e que passava por construir uma Faculdade de Desporto respeitada no seio da Universidade do Porto. Conseguimo-lo.

O que é hoje a Faculdade de Desporto da Universidade do Porto?

É a materialização de um projeto bem conseguido que tem a honra de se ver reconhecido, nacional e internacionalmente, como fautor de excelência pedagógica e científica.

Mas o caminho não tem estado isento de escolhos. Muitos derivados de outros constrangimentos exógenos criados por nós próprios. No nosso desejo de afirmação individual temos sabido recusar a indiferença. Nietzsche afirmava que o oposto do amor não é o ódio mas sim a indiferença. Nesse pecado nunca caímos porque temos tido a coragem de lutar por aquilo em que acreditamos olhando os “inimigos” nos olhos. Uma das razões da força da nossa escola tem-se prendido à coragem de assumir dissidências, de valorizar a disjunção como factor transformador, de ir fazendo as depurações necessárias mantendo incólume o desígnio coletivo fundamental – manter e acrescentar a excelência.

A luta, a guerrilha sub-reptícia inter-individual, é usual em qualquer área de manifestação humana onde existe competição por posições de chefia ou influência. Temos sabido assumir essa competição que nos tem exigido a reformação qualitativa. Somos um grupo vivo e intelectualmente fervilhante em que o pensamento não é determinado por qualquer guru iluminado. O pensamento autónomo embora nos tenha trazido esporádicos conflitos relacionais tem sido, quase sempre, o lastro para as melhores navegações que temos conseguido. Pensar é difícil, mas temos tido a coragem de colocar o pensamento e por arrasto a reflexão filosófica como cimento agregador de uma escola singular que descobriu sem tibiezas o seu rumo. O pensamento disjuntor tem sido benéfico para a saúde do corpo que somos pois tem-nos aberto perspetivas de renovação. O pensamento divergente raramente foi visto como ameaça e, quando o foi, determinou ou a sua assimilação ou um patamar mais elevado de realização.

Tenho honra em fazer parte desta faculdade. Tenho orgulho nos meus pares que são reconhecidos no país e no mundo. A escola de excelência que partilhamos e que ajudamos a construir não pode fenecer nos leitos do comodismo. Temos de ser incómodos uns para os outros pois essa condição erradica de nós a letargia que acontece a seguir à obra feita. Deus descansou ao sétimo dia mas nós não o podemos fazer. Falíveis e frágeis mortais, temos de porfiar quotidianamente pois aquilo que tanto custou a erguer pode soçobrar na demissão de um instante. A nossa obra estará sempre incompleta e por isso cada dia nos coloca desafios de renovação que até ao momento temos sabido, com coragem, assumir.

 

- Qual a importância da Universidade no seu percurso profissional e que modo foi de encontro às suas expectativas?

 

A Universidade do Porto, para mim, é a instituição mais importante da cidade do Porto. Outros, mais adeptos de Baco verão em deliciosos licores a alma da cidade; outros, redutoramente, remeter-se-ão à hiper-valorização das angústias do guarda-redes antes do penalty (Peter Handke), embora eu colha mais nas memórias do Jardel a voar entre os centrais (Carlos Tê). A U.Porto, primeiro foi miragem, depois maravilhosa realidade para um miúdo que viu a concretização dos seus mais íntimos sonhos. Lutei como poucos pela minha entrada na Universidade do Porto mas ela deu-me, em troca, a consecução duma carreira académica e profissional que eu julgava fechada para mim. Ser professor na Universidade do Porto é motivo de desmesurado orgulho, sem dúvida, mas é também um desafio quotidiano de responsabilização que assumo de bom grado. Quando assisti pela primeira vez a um doutoramento honoris causa revi, em fugaz momento de evasão, o miúdo que descia a rua Formosa a apanhar as beatas do chão, pedia um cartucho na mercearia do Sr. Fernando para fazer os cachimbos dos índios para fumar na pedreira da avenida com os seus colegas de pé rapado. Os prosaicos sonhos desse tempo passavam, “repletos de originalidade”, por ser bombeiro ou jogador de futebol. O que consegui na vida tem muito de sorte mas também de vontade. Hoje, pertencer à Universidade do Porto faz-me sentir a alma em festa e a vida realizada.

 

- Como avalia o papel desempenhado pela Universidade no seio da comunidade (cidade, região, país) e de que modo ele se poderá projetar para o futuro, com especial enfoque no campo da formação desportiva?

 

A Universidade do Porto tem sido um polo de excelência e desenvolvimento da cidade, região Norte e País. Os pseudópedes intelectuais e científicos da Universidade do Porto penetram fundo no tecido nacional total. Derivam, em muito, do sentido de missão e empenhamento profissional de muitos dos seus fautores. É lógico que existem docentes que têm da res publica uma ideia de auto-proveito. Mas por aquilo que conheço da maioria das escolas da minha Universidade, e conheço muito pois tenho contactos com quase todas elas, a força desta instituição hoje secular prende-se com o espírito de missão e saudável ambição da maioria dos docentes e investigadores que se preocupam mais com o Ser do que o Ter. Os fins-de-semana e férias a trabalhar, situação normal e recorrente em muitos locais da Universidade, não é suplício de Tântalo imposto por chefes déspotas mas atitude de desprendimento de quem encontra na profissão não uma fonte de ralação mas um profundo e elevado sentido para a sua vida.

 

- Que caminho deverá ser percorrido para afirmar cada vez mais a Universidade no contexto regional, nacional e internacional? Como prevê o papel de uma Universidade do Porto daqui a 100 anos…?

 

B. Hüring afirma que o homem não cresce se não evolui na tentativa de resposta a um mundo em transformação. Que melhor lugar para fazer perguntas que a Universidade. Algumas das perguntas que fazemos podem estar penetradas pelo puro sentimento de fruição intelectual, ou seja temos o dever e o direito de acrescentar profundidade noológica aos nossos conhecimentos, filosofando. Isto implica reganhar a importância da Filosofia como reduto essencial do pensamento verdadeiramente inquiridor. No entanto, a Universidade fenecerá se não compreender o pulsar da sociedade em que está inserida. Tenho a certeza que daqui a 100 anos a Universidade do Porto estará viva e pletórica de força se todos nos constituirmos, não como objetivos finalistas, mas sim como correias de transmissão de saberes sempre inacabados. Alerto para o facto de que sentir o respirar da sociedade não é ceder aos modismos de ocasião. A Universidade do Porto, penetrada pelo mais atual e urgente do processamento científico e tecnológico, só cumprirá a sua missão de souber resistir aos cantos de sereia dos modernismos inócuos e conseguir manter um núcleo de reflexão sobre o sentido de utilidade social de todo o investimento.  Como égide destas minhas preocupações nada melhor que entender o aforismo de Abel Salazar “O médico que só sabe medicina, nem medicina sabe”.

 

- Mensagem alusiva aos 100 anos da Universidade do Porto.

 

São 100 anos de valor e devoção. A Universidade tem sabido crescer com a cidade. Mas, da mesma forma que a cidade não fica estrangulada no perímetro de 30 km que a circunda, também a Universidade tem sabido crescer fora dos limites naturais da sua territorialidade. África, Ásia e América do Sul, são territórios para continuar a investir em parcerias que devem rejeitar ab initio qualquer assomo de pseudo-superioridade. Vamos à procura de novos territórios não com esperanças neo-colonialistas mas sim para tentar cumprir o Quinto Império de que nos fala Pessoa.

Só podemos continuar a ser grandes através da cultura e da ciência. A Universidade do Porto tem sido um polo aglutinador de excelência. O nosso desígnio é continuá-la.

 

Nota: A resposta à primeira questão reúne dois textos publicados na coluna de "Opinião" que o Professor José Augusto Rodrigues dos Santos assina regularmente no site Porto24.

 
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
« Retroceder  |  Topo da Página  |  Imprimir
«AGOSTO 2016»
DSTQQSS
 123456
78910111213
14151617181920
21222324252627
28293031
PRÓXIMO EVENTO
Dia da Universidade 2012 22 de Março de 2012

A tradicional Sessão Solene do Dia da Universidade será o ponto culminante das celebrações do Centenário da Universidade do Porto. Pelo Sal...

 
 
FICHA TÉCNICA   |   POLÍTICA DE PRIVACIDADE   |   TERMOS E DIREITOS
copyright 2010 U.PORTO todos os direitos reservados       PRODUCED BY 4Best 4Best

Website arquivado