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Maria de Sousa: "O caminho passa por sermos excelentes"

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O Olhar de...

- Investigadora e professora universitária portuguesa

- Investigadora e actual coordenadora de investigação do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC), com trabalho reconhecido internacionalmente na área da imunologia (mais informações)

- Professora Jubilada do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS)

- Coordenadora científica do Programa Graduado em Biologia Básica e Aplicada (GABBA), formação pioneira em Portugal que ajudou a criar em 1996, a partir da fusão de três mestrados da U.Porto

- Professora Emérita da Universidade do Porto (2009)

- Medalha de Ouro de Mérito Científico atribuída pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (2009); Prémio "Estímulo à Excelência" atribuída pelo MCTES (2004)

 

Como é que teve origem e se tem vindo a desenvolver a sua ligação à Universidade do Porto? Que principais momentos guarda da sua experiência enquanto estudante/professora/investigadora da U.Porto?

 

 Durante uma visita recente à universidade de Oxford voltei a lembrar-me que durante anos as melhores biliotecas estavam nos Colégios individuais. A Universidade começou por ter um pequeno espaço para livros em 1320 mas efectivamente a grande Biblioteca doada por Sir Thomas Bodley (1545-1601) não teve início senão 300 anos mais tarde em 1602. A importância da individualidade dos Colégios em Oxford ajudou-me de algum modo a compreender a minha resposta à pergunta sobre a origem da minha ligação à Universidade do Porto.

Com efeito a minha ligação à Universidade teve a sua origem no meu interesse primeiro, reconhecimento depois e finalmente efectivação de uma ligação ao Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. O convite para trabalhar na Universidade do Porto não veio da Universidade mas de professores da Comissão Instaladora do ICBAS de que quero destacar o Professor Nuno Grande. Durante a minha agregação a presença do Prof Ruy Luís Gomes constituiu o meu primeiro momento breve de ligação à Universidade. Em verdade as instituições acabam sempre por ser as pessoas e o Professor Ruy Luís Gomes tendo sido Reitor da Universidade entrava assim brevemente num dia importante da minha vida académica em Portugal como a primeira face da Universidade do Porto.Face que vim a ver e rever muitas vez com Amândio Silva e pintor do seu retrato para a galeria de retratos de reitores. A 2ª face foi a do Reitor Oiveira Ramos que muito amavelmente na altura me disse quanto a Universidade do Porto apreciava a minha vinda para o Porto para o Quadro do ICBAS. A grande e inesperada dádiva de um outro momento universitário marcante foi-me feita no dia em que o Reitor Alberto Amaral teve a gentileza de aceitar a minha passagem a definitivo na antiga Faculdade de Arquitectura. A Universidade voltaria a ter a face do Reitor Alberto Amaral com os primeiros passos na criação do programa Graduado que viria a ser conhecido como o Programa GABBA, em Áreas da Biologia Básica e Aplicada.

A fundação da Direcção Colegial do Programa com professores da Faculdade de Medicina, os professores Fátima Carneiro, Castro-Lopes, Mªda Conceição Magalhães e Sobrinho Simões e o professor António Amorim, da Faculdade de Ciências constituiu para mim talvez “O” momento enquanto professora/investigadora da Universidade. Tendo a não valorizar muito a notoriedade das grandes individualidades a não ser que séculos tenham provado que realmente a mereciam, como por exemplo Sir Thomas Bodley, WH Auden, professor de Poesia em Oxford, Sir Howard Florey, (o homem que transformou a penicilina numa realidade útil e utilizável), Robert Boyle, Sherrington, só para dar alguns exemplos vindos de Oxford. Sherrington (1857-1952) é-me particularmente caro pela sua postura relativamente ao ensino na Universidade que pode ser vista na sua resposta à questão sobre qual era a real função da Universidade de Oxford no mundo.

Sherrington diz (citação da entrada na Wikipedia)

 

“Depois de algumas centenas de anos de experiência pensamos que aprendemos aqui em Oxford como ensinar o que se sabe. Mas hoje com o inegável crescimento da investigação científica, não podemos continuar a apoiarmo-nos no simples facto que aprendemos a ensinar o que se sabe. Temos que aprender qual é a melhor atitude para enfrentar o que ainda não se sabe. Isto pode levar também séculos a adquirir mas não podemos escapar este novo desafio, nem podemos deixa de o fazer.”

 

Se por um lado não valorizo muito a notoriedade das individualidades contemporâneas, valorizo enormemente a capacidade de cada um(a) se dissipar num empreendimento comum. E a experiência do GABBA foi precisamente isso, partilhando e implementando firmemente a filosofia de Sherrington na Universidade do Porto. “Os fundadores”procuraram aprender desde a primeira hora a melhor atitude para os estudantes não só enfrentarem o que ainda não se sabe, saberem vir a aprender vários tópicos da Biologia Básica e Aplicada e também poderem vir a contribuir com os seus trabalhos de doutoramento para se saber mais e melhor. Depois tivemos a extraordinária colaboração de professores/investigadores da Universidade do Porto e de outras Universidades e Institutos de Investigação dentro e fora do país. Um grande e longo momento que celebrará os seus primeiros 15 anos em 2011 com um professor mais novo, Alexandre do Carmo, D.Phil. (Oxford), como director e outros professores mais novos muito comprometidos em “seguir” a filosofia Sherrington.

 

- Qual a importância da U.Porto no seu percurso profissional e que modo tem ido de encontro às suas expectativas?

 

O meu percurso profissional tem duas vias com tráfico na mesma direcção, isto é, duas faixas numa auto-estrada, literalmente: 1. académica, de compromisso ao ensino pós graduado desde o Mestrado de Imunologia em 1985 ao GABBA começado em 1996 e aos doutoramentos a que chamo “soltos”, isto é, feitos sob a minha orientação mas sem estarem integrados em Programas Doutorais; 2. de investigação, de compromisso a procurar demonstrar as bases celulares e moleculares de uma ligação funcional entre o sistema imunológico e a homeostase do ferro.

Devo dizer que nunca me dei muito tempo para delinear ou ter expectativas. Tendo a ser uma pessoa de planeamento de coisas que vejo que se podem realizar e funcionar. Funcionaram ambas. A importância da U. Porto para a faixa 1 foi, como disse, a atmosfera colegial fantástica que se criou entre coordenadores e professores, que como todos sabemos não eram pagos para fazer, nem se esperava que fizessem, ensino pós-graduado antes de Portugal integrar o processo de Bolonha. Raríssimos profissionais em Portugal entrariam percursos para que não eram pagos. Mas entraram e os estudantes GABBA devem-lhes uma dívida de gratidão como nem eles próprios sabem.

A importância da Universidade para a faixa 2 não teve muito a ver com a Universidade propriamente dita mas, em primeiro lugar, com o Porto e a região Norte onde claramente há a doença que eu queria estudar e que me trouxe a trabalhar no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar: a Hemocromatose Hereditária. Depois, com colaboradoras permanentes excepcionais como a Dra Graça Porto, a Sra D. Rosa Lacerda, nossa técnica, o Dr Pedro Rodrigues, todos desde 1985. E com os(as) tais aluno(a)s e visitantes “soltos” de mestrado e doutoramento e pós docs que talvez  não sejam muito mais que uma dúzia ao longo dos anos. Nunca fui capaz de ter equipas muito grandes. Nesse sentido sou muito limitada. A tradição de termos pós docs que permitam alargar a dimensão das equipas ainda não está bem estabelecida em Portugal, apoiada nos últimos anos com as iniciativas Ciência e projectos europeus.

 

- Como avalia o papel desempenhado pela Universidade no seio da comunidade (cidade, região, país), com especial enfoque no campo da investigação e da produção de conhecimento e inovação?

 

A minha avaliação é limitada às áreas que conheço melhor: das Ciências da Saúde e da Arquitectura. A arquitectura porque se vê se olharmos com atenção e deleite algumas das construções na cidade, na região e por todo o país. Eu creio que a investigação em Saúde é uma área em que o Porto sempre se destacou, com o trabalho inspirador de Corino de Andrade na comummente chamada doença dos pezinhos, ou polineuropatia familiar (PAF). Com o crescimento do conhecimento das mutações encontradas em numerosas doenças genéticas, a utilização de marcadores genéticos em doenças como o cancro, o crescimento de instrumentos para estudar a genética de populações, o papel desempenhado pela Universidade do Porto no seio da comunidade na região, na metrópole, nas ilhas, em África e outros países,  com colaborações estabelecidas com outras universidades e centros de investigação, parece-me merecer algum destaque. Mas posso estar a ser injusta para outras áreas com contribuições também significativas que não conheço tão bem , como a Astronomia, a Engenharia, as Letras, etc .

 

- Que caminho deverá ser percorrido para afirmar cada vez mais a Universidade no contexto regional, nacional e internacional? Como prevê o papel de uma Universidade do Porto daqui a 100 anos?

 

Aí está outra coisa que eu sou incapaz de fazer: prever a 100 anos. Apetece-me repetir-me e voltar a citar Sherrington :

 

“Temos que aprender qual é a melhor atitude para enfrentar o que ainda não se sabe. Isto pode levar também séculos a adquirir mas não podemos escapar este novo desafio, nem podemos deixa de o fazer.”

 

Claro que posso dar uma resposta simples: sermos excelentes. Tão excelentes que apareçam grandes filantropos na cidade e/ou na região que deixem nos seus testamentos milhões de Euros à Universidade só por que cá se formaram e querem os seus nomes ligados a uma grande e única e unicamente excelente Universidade. Mas em verdade não acredito que possamos vir a ser tão unicamente excelentes no panorama nacional e/ou Ibérico, pelo menos nos próximos anos. Que eu perceba nem sequer fizemos ou tivemos a preocupação de fazer essa análise em profundidade, mesmo nos mais recentes Institutos de Investigação. Em que é que nos vamos poder distinguir nos próximos 5 ou 10 anos de Universidades em Coimbra, no Algarve ou em Lisboa? Em que é que nos distinguimos nos últimos anos? O que é temos a oferecer a esses outros centros de saber para se poderem constituir grandes grupos nacionais que venham a pôr verdadeiramente Portugal no mapa dos países científicos? O que se acontecesse nos beneficiaria a todos. Ou a decisão é competir com os outros centros de saber portugueses e ser melhor do que os outros? A preocupação que sinto no ar não é tanto essa mas que devemos criar aglomerados locais maiores que possam vir a assegurar emprego para mais pessoas. Isso não é, ou talvez seja, verdadeiramente uma decisão de quem está preocupado com a excelência do trabalho do ensino ou da investigação. É a decisão de quem está compreensivelmente preocupado com o estar empregado ou ter emprego para os seus colaboradores directos em geral já conhecidos, mais novos.  Sem perceber bem que atingir alguma  excelência pode levar séculos e exigir a renovação radical do tecido universitário que conhecemos.

Na minha condição de Emérita cá voltarei, velhinha, para ver, mas creio que a ver-se só se verá mesmo nos próximos cem anos.

 

- Mensagem alusiva aos 100 anos da Universidade do Porto (formato livre)

 

A idade de cem anos numa Universidade “é uma boa idade para nos voltarmos um pouco sobre nós próprios, pesar o que fomos, procurar o que somos, sonhar o que poderemos ser, o que poderíamos ser, o que deveríamos ser” , como disse Paul Valéry à Academia de Ciência Francesa nos seu 300 anos, em 1935. Partilhamos o peso de termos visto Abel Salazar ser expulso da Faculdade de Medicina nesse mesmo ano de 1935, o peso de não termos protegido  Ruy Luís Gomes e alguns dos seus colegas matemáticos de forças externas à Universidade que eventualmente os obrigaram a emigrar para a América do Sul. Tivemos alunos que, em 1945 publicaram, na Seara Nova uma carta ao Director da Faculdade com a descrição da iniciativa de propor a criação de um organismo responsável pela investigação científica na Faculdade de Medicina.

Cem anos dão-nos portanto tempo suficiente para termos experimentado coisas que devemos lamentar e outras de que nos podemos orgulhar. Parece-me evidente que muito do que temos a lamentar teve lugar antes de 1974, embora segundo percebo (não estava em Portugal na altura) aconteceram também coisas a lamentar no período que se seguiu à revolução de Abril de 1974. Estes primeiros cem anos aparecem assim algo heterogéneos embora uma pessoa tenha a sensação de que o melhor aconteceu nos últimos 30 e tal anos. Mesmo assim algumas unidades orgânicas, talvez por serem tão novas, outras por se sentirem inseguras, ainda se comportam mais como unidades que gostariam de se notabilizar individualmente do que como partes de um grande organismo. Em geral falamos das Universidades de Oxford, de Cambridge, de Harvard, de Los Angeles, etc. e não tanto deste ou daquele Colégio, ou Faculdade, ou Instituto. Portanto, temos duas alternativas: podemos reconhecer modestamente que somos uma jovem Universidade e que teremos que ter a paciência de reconhecer que precisamos de pelo menos mais cem anos para sermos a grande Universidade que gostaríamos de ser já. Achamos que já temos um ou outro órgão muito melhor que os outros que nos ajudará a notabilizar já. A segunda alternativa na minha opinião é perigosa para todos nós e revelará uma certa imaturidade e ignorância das normas básicas da Biologia do Desenvolvimento em que ainda misteriosamente um organismo se forma da harmonia das partes.

Naturalmente este é um tempo de parabéns, como em todos os grandes aniversários. Mas sobretudo de votos de “iluminação” para o Reitor, o Professor Marques dos Santos e para a equipa reitoral de que se rodeou, que presidirão à comemoração dos cem anos da Universidade. Iluminação para um(a) investigador(a) é poder ver com clareza o visto e o não visto. Porque será à luz do que se vê hoje, à luz do que se sabe hoje, que se pode tentar iluminar o que não se vê e não se sabe.

 

Pode levar séculos, mas uma vez iluminado um caminho, é mais fácil caminhar.

 
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