O Olhar de...
-Médica e investigadora portuguesa
- Professora catedrática reformada de Bioquímica da Faculdade de Medicina da U.Porto (FMUP)
-Antiga vice-reitora da U.Porto
- Antiga estudante da Faculdade de Medicina da U.Porto (FMUP), com Licenciatura (1972) e Doutoramento (1982) em Medicina
- Como é que teve origem e se tem vindo a desenvolver a sua ligação à Universidade do Porto? Que principais momentos guarda da sua experiência enquanto estudante e professora da U.Porto?
Desde muito cedo a Universidade apareceu como natural e indiscutível. Foi com grande júbilo que entrei na U.Porto, tendo a minha vida sido tecida, desde então, em forte interacção com esta comunidade.
Os anos da licenciatura foram, com poucas interrupções, uma espécie de travessia do deserto, que veio a desembocar num convite para Assistente no Instituto de Farmacologia e Terapêutica da FMUP. Aí sim, começou uma experiência fabulosa, pela qual me sinto profundamente grata. Fazia-se ciência a sério, num ambiente humanamente acolhedor, livre e estimulante. O enorme contraste entre a relação distante com a ciência durante a licenciatura e a experiência da ciência vivificante dos anos de doutoramento informou um dos eixos principais da minha atitude como docente, dar a ciência a viver, mais do que a saber.
- Qual a importância da U.Porto no seu percurso profissional? De que forma foi de encontro às suas expectativas??
A importância foi radical. A U.Porto foi muito generosa comigo, dando-me a oportunidade de conviver e aprender com cientistas humanistas no Centro de Farmacologia e Biopatologia Química, dos quais saliento o notável Prof. Walter Osswald, a possibilidade de fazer investigação científica e experimentar a alegria da descoberta, e o prazer de ver os alunos descobrir esse gozo.
Depois do período de ouro dos anos do doutoramento, que felizmente, e como era habitual na época para os Assistentes, se estendeu por cerca de oito anos, tudo se conjugou (idade, progresso na carreira, “evolução” do próprio sistema de leis/regulamentos/burocracias sem fim) para um aperto progressivo por tarefas administrativas que foram retirando tempo e espaço ao essencial do trabalho.
A dimensão da U.Porto, bastante grande para a cidade e região, representou um alargamento de mundo para mim, estudante. Depois, a pressão do trabalho e a divisão dos saberes/ dispersão das várias Faculdades diminuíram o espaço e tempo para o cruzamento de áreas de estudo que uma Universidade com a dimensão e diversidade da U.Porto comportaria, desperdiçando-se um enorme potencial. Um período de trabalho na Reitoria permitiu-me confirmar a multiplicidade e riqueza humana da U.Porto, com muita gente de enorme interesse e qualidade a trabalhar com paixão no anonimato das bibliotecas, laboratórios e salas de aula. É essa vitalidade radical e pervasiva, muito para além do mais visível, que garante o futuro essencial da instituição.
- Como avalia o papel desempenhado pela Universidade no seio da comunidade (cidade, região, país) e de que modo ele se poderá projectar para o futuro?
Penso que o principal papel da Universidade no seio da comunidade é o de formar cidadãos livres, cultos, competentes e empenhados. Para cumprir esta missão é indispensável a prática de investigação científica. Com certeza que muito foi feito, mas um olhar sobre a nossa sociedade leva-nos a concluir que esse papel tem sido manifestamente insuficiente.
A projecção para o futuro deveria passar por esta análise: porque é que o lançamento de cerca de alguns milhares de licenciados por ano, fundamentalmente na região, mais umas centenas de mestres e doutores, não se traduz num progresso real, claro, significativo, da sociedade?
- Que caminho deverá ser percorrido para afirmar cada vez mais a Universidade no contexto regional, nacional e internacional? Que Universidade do Porto gostava que se celebrasse daqui a 100 anos?
Uma Universidade multicultural, com estudantes e professores de todo o mundo, onde se pratique também a língua portuguesa na sua riqueza, com carinho e rigor, num ambiente calmo, reflexivo e estimulante, onde pensar e trabalhar bem, em liberdade, seja o ar que se respira. O caminho terá que passar pela construção duma comunidade universitária em que cada um se sinta obrigado a dar o melhor de si próprio, num ambiente onde se fale menos em competição e se cultive árdua e persistentemente a confiança inter-subjectiva, de modo a permitir que a complexidade das interacções entre as criatividades individuais dê, naturalmente, os seus melhores frutos. Uma comunidade inspiradora e enriquecedora da cidade, da região e do mundo.
- Mensagem alusiva aos 100 anos da Universidade do Porto.
100 anos é ainda pouco tempo, mas felicito a U.Porto pelas comemorações, espelho talvez um pouco distorcido (mas a festa também é necessária!) que, porém, não deixa de constituir uma excelente oportunidade de reflexão sobre o caminho para o futuro – que desejo luminoso, a bem da Universidade e, sobretudo, da difícil sociedade dos homens..
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