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M. Oliveira Marques: “A U.Porto será sempre o produto da liberdade criadora dos seus professores”

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O Olhar de...

 - Economia, gestor e professor universitário português (mais informações)

- Professor Associado da Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Director do Programa de Mestrado em Finanças

- Administrador e Presidente da Comissão Executiva da sociedade Metro do Porto, SA, entre 2000 e 2008.

Membro do Conselho Geral da EGP - University of Porto Business School

- Antigo Estudante da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, com Licenciatura em Economia (1973)

 

Como é que teve origem e se tem vindo a desenvolver a sua ligação à Universidade do Porto? Que principais momentos guarda da sua experiência enquanto estudante e professor da Universidade do Porto?

 

A Universidade sempre me atraiu. Imaginava-a como um espaço de partilha do melhor que podemos partilhar - o saber e o conhecimento – e, por isso, um lugar de passagem de gerações e gerações de pessoas, umas procurando o saber, outras partilhando-o com os mais novos.

 

Por estas razões, imaginava também a Universidade como um centro de relações humanas de excelência, uma instituição cívica, com grande relevância e impacto social.

Demandei a Universidade como estudante de Economia. Talvez tivesse preferido o Direito mas, ao tempo, a escola de Direito mais próxima situava-se em Coimbra e as condições económicas não me permitiram encarar essa hipótese. Estávamos em 1967 e eu já trabalhava numa empresa há dois anos.

 

A Faculdade de Economia do Porto tinha então 14 anos de existência, funcionava num corredor no topo do edifício da Faculdade de Ciências, debatia-se com uma incrível falta de condições e meios mas já era uma escola respeitável e reconhecida. Lamentavelmente, o ambiente político, já muito tenso, e o cultivado distanciamento entre professores e estudantes, não contribuíram para que eu encontrasse na Escola, como seria normal esperar, professores que se convertessem em referências para nós os estudantes, professores dos quais retivéssemos uma memória particularmente grata.

 

Curiosamente, no que me diz respeito, isso só veio a suceder mais tarde, já depois de concluída a licenciatura, quando circunstâncias as mais diversas me ofereceram conhecer e apreciar devidamente, e com mais justiça, professores de quem dantes nem me atreveria a aproximar-me.

 

Era já uma escola exigente a Faculdade de Economia e os seus licenciados eram bem acolhidos e apreciados pelo mercado de emprego, muito concentrado então no sector empresarial do norte do País. Naquele corredor, que apelidávamos de “galinheiro”, foram operados verdadeiros milagres de formação e cimentaram-se boas e sólidas amizades. São ainda desse tempo alguns dos meus amigos mais estimados.

 

O carácter fechado da Escola, reflexo do ambiente da sociedade de então, e a tutela política que sobre ela se exercia, como sobre todo o ensino superior no País, não me permitiam encarar sequer uma outra aspiração, que só partilhava com os meus condiscípulos mais próximos: a de me tornar um docente universitário. Nem tão-pouco podia exibir valia curricular bastante para a tanto aspirar, já que era um estudante-trabalhador, cujo desempenho académico se apresentava algo irregular, ao sabor das exigências e contingências da vida profissional, que corria então a um nível demasiado subalterno para poder almejar condições de estudo que permitissem um melhor desempenho.

 

No Outono de 1974, já num novo enquadramento político e social do nosso País, um condiscípulo conhecedor das minhas aspirações fez-me saber de um concurso para admissão de assistentes na Faculdade de Economia, desta vez aberto e transparente. Concorri e fui admitido. Optei então, em absoluto, pela nova carreira profissional, reduzindo para metade o meu rendimento de trabalho e deixando para trás aquela outra actividade onde, ao fim de dez anos de casa, deixei estupefactos os meus patrões, pela aparente loucura da minha viragem profissional.

 

Nunca me arrependi, ou melhor, quase me arrependi quando, em 1977, por uma decisão arbitrária e bem estúpida do governo de então, a Faculdade foi declarada em degradação pedagógica e encerrada, ao abrigo de uma deplorável legislação recente. Foi então possível, em plena democracia, usando como pretexto um incidente interno com meia dúzia (literalmente) de estudantes revoltos, habilidosamente explorado por algum professor, cercar com polícia e encerrar a Escola, vedar a entrada a todos os docentes, ainda que fosse para recuperar os seus pertences, nomear uma infeliz “comissão de reestruturação”, conceber um novo e medíocre plano de estudos da licenciatura, despedir todos os decentes (presumidos como um bando de comunistas) e organizar um “concurso” para a selecção de todo o novo corpo docente, aberto a todos os anteriores docentes e, em simultâneo, a quaisquer pessoas interessadas em concorrer ou para isso arregimentadas.

 

Salazar não teria feito melhor (ou pior, dependendo da perspectiva)!

 

Foi um momento de vergonha, para a instituição universitária e para o País, que ficará para sempre no curriculum (ou no cadastro) de quantos se associaram a este processo ou com ele contemporizaram. Foi um momento de todos os oportunismos, quando o pior da natureza humana veio à superfície, mesmo por parte de alguns que mais haviam contribuído para radicalizar a vida da Escola. E aos candidatos à docência foi aplicado um modelo de classificação e selecção do tipo SIII (a sigla que mais tarde viria a designar um sistema integrado de incentivos ao investimento), engendrado por indivíduos para quem as pessoas não são mais do que variáveis dependentes de uma qualquer função matemática (e Deus permita que não estejamos hoje a voltar ao mesmo).

 

A Faculdade foi domesticada, os seus docentes humilhados, a instituição universitária insultada, foi dada guarida a oportunistas e considerados os subservientes e os sem escrúpulos. A Escola regrediu anos, na sua personalidade e na sua qualidade.

 

Senti profundamente o desgosto e decidi emigrar. Na véspera de partir, fui informado de que havia sido seleccionado no famigerado concurso, e tinha disponível o meu lugar no corpo docente. Ficou guardado o lugar e, um ano mais tarde, regressei. Preparei-me então para partir de novo, desta vez para realizar estudos de doutoramento, o que manteve ausente durante quatro anos inteiros. A Faculdade possuía então três doutores, dos quais apenas dois residentes e apenas um em Economia.

 

O doutoramento foi um tempo de enorme aprendizagem e uma experiência realizadora, que me permitiu reencontrar-me e reconciliar-me com a Faculdade, já em fase de nova transição. Desse modo, reencontrei-me com a vocação e a profissão.

 

Qual a importância da Universidade do Porto na sua vida profissional? De que forma foi ao encontro das suas expectativas?

 

A minha passagem pela Universidade do Porto operou, inquestionavelmente, uma revolução na minha vida profissional. Desde logo, porque se traduziu no abraçar de uma profissão para a vida, à qual me tenho mantido fiel, apesar das várias sortidas, em espécies de comissões de serviço, para assumir projectos importantes, tanto públicos como privados. Depois, porque me ofereceu a oportunidade para a minha realização pessoal e profissional. Não é assim tão frequente encontrar pessoas que se dedicam à profissão da sua escolha, de acordo com o que sentem ser a sua vocação.

 

Por outro lado, o grande enriquecimento da minha formação técnica e cultural proporcionado pela actividade académica apetrechou-me para assumir posições de responsabilidade no exterior e participar em projectos profissionais muito interessantes, alguns dos quais particularmente exigentes e com elevado alcance social. Tive a felicidade de ser formado numa boa Escola e de prosseguir a minha actividade profissional principal na escola da minha formação. Este facto, associado ao meu doutoramento no exterior, dotou-me com as bases que me permitiram assumir desafios extra-académicos, em áreas de actividade diversificadas (desde a banca e seguros, passando pela indústria, até aos transportes e à saúde).

 

Em sentido inverso, esta experiência profissional diversificada fez de mim um professor diferente, porque habilitado com a experiência da actividade concreta no mundo exterior. Julgo que esta conjugação de experiências se reflectiu no modo como exerço a actividade docente e estou convencido de que isso tem sido apreciado pelas sucessivas gerações de estudantes com que tenho convivido, ao longo de 32 anos de actividade efectiva.

 

Para tudo isto, tem contribuído muito positivamente a tradição cultivada na minha Escola de estabelecer pontes permanentes com o meio exterior, quer através de cada um dos membros do seu corpo académico, quer pela via institucional. Esta característica, sempre presente na história da Faculdade de Economia, embora com alguns breves intervalos e hesitações, mais pessoais do que institucionais (também ali, por vezes, “invidia est norma”), tem-se acentuado nos tempos recentes, o que enriquece a Escola e reforça a sua projecção na Sociedade.

 

Não é por acaso que a Faculdade de Economia se mantém como uma das escolas de Economia e Ciência Empresariais mais procuradas do País.

 

Como avalia o papel desempenhado pela Universidade no seio da comunidade (cidade, região, País) e de que modo ela se poderá projectar para o futuro, com especial enfoque no campo da cooperação com o tecido económico e social?

 

A Universidade do Porto chega ao seu primeiro centenário como uma instituição prestigiante da cidade e incontornável na região e no País. O seu impacto é enorme, o seu prestígio é inegável, o seu desempenho melhora em todos os domínios, atrai uma clara preferência de uma multidão de candidatos à formação superior, à docência e à investigação, e possui hoje uma ambição bem patente em todos os seus estabelecimentos e em todos os seus corpos e membros.

 

A Universidade do Porto difunde ciência, tecnologia e cultura, enfim conhecimento, pelo País e agora também pelo estrangeiro, a um nível que a prestigia cada vez mais e lhe permite já a aspiração de inserir-se no competitivo meio universitário internacional. Para isso, têm contribuído as suas lideranças recentes, a dedicação dos seus membros, o seu apetrechamento crescente em estruturas e organização adequadas, tudo afinal consequência da forte aposta na formação avançada dos seus académicos, orientação feliz, particularmente sentida nas duas últimas décadas.

 

Só é preciso continuar este caminho, com serenidade e persistência, com muito trabalho também, sem alienar nenhum dos elementos da herança do passado recente, que permitiram chegar a este ponto, mas abraçando sempre novos e mais exigentes desafios.

Talvez o maior desses desafios seja o de alcançar um nível mais elevado na qualidade do governo da grande instituição em que se tornou a Universidade, dotando-a de maior eficiência e economia, já que a sua eficácia vai sendo uma realidade cada vez mais sentida, de modo que as condicionantes económicas jamais possam tolher o seu caminho estratégico.

 

Aprender com os melhores será sempre um fecundo exercício de humildade e de lucidez. Para isso, muito pode contribuir a extraordinária mobilidade observada nos dias de hoje, entre estudantes, docentes e investigadores. A passagem por um programa Erasmus, a participação num programa de doutoramento numa universidade estrangeira ou num projecto de investigação internacional, não podem servir apenas para cumprir programa ou, como agora se diz, para progredir na carreira (sic) académica. Devem servir também para observar, observar muito e atentamente, aprender e replicar o que de melhor observamos e experimentamos.

 

Por outro lado, a abertura à Sociedade nunca estará esgotada. Em cada uma das áreas de afirmação da Universidade, haverá que aprofundar a relação com o meio e encontrar novas formas de a promover, evitando a falsa dicotomia entre a extensão universitária institucional e aquela que tem lugar através da iniciativa e da valia própria de cada um dos membros do seu corpo académico. A Universidade foi e será sempre o produto da liberdade criadora dos seus professores. Negar-se-á a si própria quando assim não for.

 

Com efeito, há que ter aqui algum cuidado. Assim como não deve permitir-se  que a dispersão prejudique a capacidade da Universidade para produzir conhecimento, também não devemos ceder à tentação de defender a investigação pela investigação, fechando-se ao meio envolvente e, desse modo, alienando a prazo a sua relevância, nomeadamente social. A actividade académica é diversa, aberta, vive do intercâmbio de experiências, e assim deve ser. Na verdade, são muitas e variadas as formas de gerar e transmitir conhecimento.

 

No caso particular da Universidade do Porto, com todo o respeito e apreço pela sua ambição de se projectar a nível nacional e internacional, que deve ser cumprida e a todos mobilizar, impõe-se não restringir a sua atenção e acção estratégicas ao que é mais visível ou gerador de maior notoriedade e influência a curto prazo, e atender antes ao particular tecido económico e social do meio em que a Universidade se insere, abrindo-se mais e mais a esse meio e para ele encontrando as respostas e soluções particularmente exigidas em cada tempo concreto.

 

Isto é especialmente importante no domínio da tecnologia, da saúde, das ciências sociais e das ciências empresariais e particularmente imperativo nos tempos difíceis que vivemos.

 

Que caminho deverá ser percorrido para afirmar cada vez mais a Universidade no contexto regional, nacional e internacional? Como prevê o papel de uma Universidade do Porto daqui a 100 anos?

 

Há duas décadas atrás, a Universidade requeria equipamentos, estrutura e uma intensa formação avançada do seu corpo académico. Investiu-se imenso nestes domínios e o resultado é bem visível. Feito isto, faltar-lhe-ia preparar-se para um mundo mais global e concorrencial e dotar-se de ambição. Esta é a fase que está a ser cumprida agora, penso que com muito sucesso. Seria agora o tempo para abrir mais, cultivar (mais do que tolerar) a diversidade e libertar a iniciativa criadora.

 

Mas existe um perigo: a tentação da dimensão, da visibilidade e da demonstração estatística, com o que se pode querer apressar um caminho que, ao invés, pode ser tolhido pelo excesso de estrutura, tutela, normas e regulamentos e outros espartilhos, com os quais a instituição universitária nunca se deu bem. A Universidade é um espaço de saber e de liberdade e ambos vão a par.

 

Os universitários, os académicos e os dirigentes passam mas a Instituição permanece. Imperativo é que, para que prossiga num caminho de mais e melhor geração de saber e conhecimento, acolhendo mais e melhores cidadãos, formando-os e reenviando-os em missão na Sociedade, os seus académicos e dirigentes têm que derramar-se na Instituição e anular-se perante aqueles que formam e que bem depressa os renderão.

 

A Universidade do Porto tem todas as condições para traçar este caminho, só faltando reforçar a sua cultura institucional e o seu espírito de missão, e incuti-los em todos os seus corpos. Também julgo ser esta uma preocupação das actuais lideranças.

 

Assim sendo, e como a instituição universitária é reprodutora por natureza, julgo e espero que o próximo século da Universidade do Porto a torne um dos pilares do desenvolvimento do País e da afirmação do seu papel no Mundo.

 

Mensagem alusiva aos 100 anos da Universidade do Porto.

 

Que a dimensão, a importância, a excelência e a ambição da Universidade do Porto não a impeçam de afirmar-se, cada vez mais se possível, como um espaço de cultura, de criação de saber e de liberdade, tudo em conjunção e nunca em disjunção. Assim, a nossa Universidade há-de ser, certamente, muitas vezes centenária.

 
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