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José Meirinhos: “Importante é que nos próximos 100 anos a U.Porto não perca o Norte”

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O Olhar de...

- Professor universitário português

- Professor Associado do Departamento de Filosofia, Diretor do Instituto de Filosofia e Diretor do Programa doutoral em Filosofia da Faculdade de Letras da U.Porto (FLUP)

- Antigo Estudante da FLUP, com Licenciatura em Filosofia (1984), Mestrado em Filosofia Medieval (1990) e Doutoramento em Filosofia Antiga e Medieval (2002)

- Membro de uma das primeiras gerações de estudantes Erasmus da U.Porto

 

- Como é que teve origem e se desenvolveu a sua ligação à Universidade do Porto? Que principais momentos guarda da sua experiência enquanto estudante, investigador e professor da FLUP?

 

Se o acaso existisse atribuía-lhe a responsabilidade de ter vindo para a Universidade do Porto, tantos foram os factos que se cruzaram e no “ano propedêutico” me trouxeram para o Porto, com o pensamento em Direito. Nesse ano encontrei colegas com um interesse extraordinário pela discussão e pela Filosofia, que me contagiou e fez mudar de opção. Entrei em Filosofia na Faculdade de Letras e dos tempos de estudante recordo sobretudo o ativismo associativo em que tudo era reivindicação e entusiasmo pela mudança de quanto pudesse ser mudado, com o Paulo Bento e o Miguel Rodrigues, o João Fernandes, o Eloy Rodrigues, o Paulo Gusmão, a Maria João Coelho, e tantos outros, alguns dos quais ainda encontro, com menos assiduidade do que gostaria. Creio que, além das amizades, me ficou a resistência e o gosto de fazer, para ainda agora, já como docente e investigador, usar algum do meu tempo (sempre demais) em reuniões, organização de atividades, concursos para projetos, gestão e procura de recursos, sempre à volta de livros.

 

-  Como surgiu o Programa Erasmus no seu percurso e que balanço faz dessa experiência?

 

A minha orientadora de doutoramento, Prof.ª Maria Cândida Pacheco, integrava uma rede de medievistas que em 1990 criou, aproveitando o balanço do então nascente programa ERASMUS, o Diplôme Européen d’Études Médiévales, um ano de formação pós-graduada em Roma para a investigação aprofundada em fontes escritas medievais, que no início contou com o apoio da UNESCO. Fui frequentar o curso no seu primeiro ano, em 1991-1992, faz agora vinte anos. Foi um ano muito inspirador, com alguns dos melhores especialistas europeus e aulas na melhor biblioteca do mundo para este domínio, a Biblioteca Vaticana. Os meus interesses académicos ficaram definitivamente marcados e mantenho relações com colegas e professores desse curso. E, noto agora, o ERASMUS, um verdadeiro elogio da boa loucura dos homens que ousam criar, nunca mais saiu da minha vida. Desde 2003 sou o coordenador deste Diplôme Européen d’Études Médiévales, agora com 25 universidades europeias e 2 canadianas, o que torna um pouco alucinante a tarefa de coordenação do programa anual, com mobilidade de docentes e estudantes um pouco de toda a Europa, e que quase todos os anos me leva a Roma por 15 dias para aí ensinar. Continuando a ter uma tão positiva experiência, em cada ano incentivo os estudantes de licenciatura a entrarem no mundo ERASMUS numa das muitas e excelentes universidades com as quais o Departamento de Filosofia tem programas de mobilidade. É um programa único, que nos tornou vizinhos e anfitriões de colegas e estudantes de toda a Europa e das mais diversas regiões do mundo. Infelizmente as bolsas não são de molde a tornar esta experiência acessível a todos os estudantes (estou convencido que os custos da mobilidade e o exíguo valor das bolsas, são factores de exclusão). Seria importante que a própria UP pudesse alocar recursos para melhorar o acesso dos estudantes aos programas de mobilidade.

 

- Qual a importância da U.Porto no seu percurso profissional e de que modo foi de encontro às suas expectativas?

 

Toda a minha formação académica (licenciatura, mestrado, doutoramento, agregação) decorreu na UP. Apesar dos períodos de investigação e de trabalho no estrangeiro, é um percurso totalmente monogâmico que hoje parece estar proscrito, mas que me deu um conhecimento mais ou menos extenso da instituição e da sua enorme evolução recente. Pela parte da UP, onde sou professor no Departamento de Filosofia – Faculdade de Letras, sempre dispus da possibilidade de participar nos diversos âmbitos de decisão e de gestão democrática, de ter boas condições para uma atividade de ensino e académica geradoras de satisfação, de procurar e usar meios suficientes para a investigação, de lutar contra as disfunções que aqui e ali irrompem e criamos, umas vezes inadvertidamente, outras vezes de propósito. Não sei é se nesses domínios tenho correspondido ao que a instituição espera de mim, ou se os resultados são os expectáveis. O desejo íntimo é que sim, tendo consciência que, por vezes, a melhor forma de ser a favor da instituição é intervir para que ela mude.

 

- Como avalia o papel desempenhado – no passado e no presente – pela Universidade no seio da comunidade (cidade, região, país)?

Creio que o impacto social das universidades é muito desigual, sendo como são instituições espartilhadas entre a formação de funcionários, de que são incumbidas, e a obrigação de formar cidadãos e de criar saber. Durante muitos séculos, a universidade portuguesa, que sempre foi uma instituição tutelada, ou pela Igreja ou pelo Estado, limitou-se a possuir o saber suficiente para formar funcionários de posição mais elevada, a elite, como também lhe chamam. Na universidade tradicional a ligação com a sociedade tendia a fazer-se sobretudo pelo movimento de entrada e saída de pessoas e pela aceitação das orientações ditadas pela tutela. Os seus contributos para a mobilidade e o dinamismo sociais eram mínimos, mas era muito eficaz na reprodução de estruturas sociais relativamente estanques. Após o 25 de Abril de 1974 e a emergência de uma sociedade democrática, tornou-se possível um outro percurso para a universidade portuguesa. Com a tímida lei da autonomia de 1988, a universidade tornou-se um dos primeiros setores do Estado a beneficiar de leis específicas que garantiram a sua autonomia, primeiro eletiva, depois administrativa, agora cada vez mais também financeira. Em 20 anos as alterações foram a um ritmo que não deixa de criar confusão, mas a universidade que temos, creio ser nossa obrigação reconhecê-lo, é o que é também em resultado das opções dos universitários, que por vezes são más. Mas valorizemos agora aquilo que se fez bem, em particular a maior autonomia nos planos científico, do ensino e da pesquisa. Hoje a universidade não precisa de estar à espera que seja apenas o Estado a definir as suas prioridades. Por diversos fatores e também por haver uma maior expectativa social, a universidade sente mais e como uma vantagem a necessidade de ser agente nos diversos âmbitos da sua influência. E a UP, porque quer ser uma instituição que conta, tem que estar presente em todas as instâncias onde se insere e onde tem feito e tem ainda muito a fazer: a área urbana onde está implantada e que precisa de revitalizada, a região onde cria saber e riqueza humana ou económica, o país onde deve continuar a assumir uma posição de mudança contribuindo para se autonomizar das instâncias de decisão central, a Europa onde deve buscar recursos e aumentar as relações com instituições congéneres com as quais pode criar e difundir mais e melhor conhecimento, os muitos mundos do planeta com os quais só ganha em interagir. Não é fácil, mas cem anos ajudam a encarar o futuro sem medo.

 

- Que caminho deverá ser percorrido para afirmar cada vez mais a Universidade no contexto regional, nacional e internacional?

Para ser uma universidade relevante, a UP tem que cultivar em permanências fortes ligações com a envolvente urbana, com esta região binacional e plurilingue, com o país inclinado para o centro da capital, sobretudo com as outras regiões nacionais e transcontinentais que lhe trazem oportunidades e o capital humano e a motivação para continuar a renovar-se. E se se conseguir fazer da UP a grande universidade internacional de que o País precisa, o benefício será comum. Temos melhores condições para o fazer porque, estando a alguma distância do poder central, podemos perder ou atrasar o acesso a recursos, mas ficamos preservados das formas mais retrógradas da dependência dos lugares oferecidos pelo Estado. Entendendo o regional, o nacional e o internacional como províncias do conhecimento, cabe à universidade inventar formas de articular domínios científicos, de estimular a invenção de hipóteses, de aproximar práticas de investigação que articulem os quatro pilares essenciais ao desenvolvimento sustentável, as culturas, as ciências, a técnica, as artes. Não será a definitiva e sempre inalcançada felicidade dos povos, mas pode ajudar. A criação de conhecimento, isso é hoje ainda mais evidente, não é um processo individual mas de conjugação coletiva, por isso ganha ainda mais sentido quanto dele beneficiam as sociedade e os cidadãos. Há muitas maneiras de o fazer. A Universidade deve começar por proporcionar um ensino de qualidade aos seus estudantes, onde se combine uma formação humanístico-científica orientada em primeiro lugar para a cidadania e a participação. As sociedades, mesmo as que atingiram um elevado grau de conforto, devem estar racionalmente vigilantes face às ameaças de suave dominação ou dependência que os poderes, cada vez mais pervasivos e invisíveis, impõem às consciências e aos ritmos quotidianos. Por outro lado, não é fácil às universidades actuais gerirem as suas expectativas e as da sociedade. As solicitações e seus obstáculos são tantos que desorientam: oferecer um ensino de qualidade a estudantes que parece não terem preparação para o acompanhar, criar ciência onde os outros parecem muito mais preparados para a fazer, induzir conhecimento num tecido social que parece rejeitá-lo, articular domínios científicos numa instituição que internamente parece dominada por interesses pessoais e setoriais. As ilusões por vezes são mais fortes que o que está aí, por isso devemos fazer em permanência o esforço de abandonar rígidos quadros mentais de construção do que parece (mas não é). Perceber que a quantificação é outra ilusão letal que cria uma corte de videntes que ficam cegos por as suas profecias não se realizarem, ajudaria a fazer regressar um módico de humanidade e arte ao conhecimento. Se os constrangimentos institucionais forem cada vez menos limitadores e deixarem o curso mais livre à conjugação de contributos das mais diversas proveniências, poderão ser alcançados patamares de criação, de inovação e de partilha e acesso ao conhecimento e ao bem-estar mais poderosos que aqueles que agora nos é dado viver. A minha proposta de mudança é modesta, tendo em conta que no resto muito está a ser feito, e em alguns casos muito bem. Gostaria que a Universidade tivesse uma vida académica rica que fosse entusiasmante para os estudantes que integra. Creio que uma universidade de futuro será a que tenha no seu âmago os estudantes (de graduação e pós-graduação) enquanto participantes ativos na criação e crítica do conhecimento. Para isso é indispensável que os estudantes se tornem mais exigentes e dessa nova atitude se verá se a Universidade corresponde de facto às solicitações dos que a procuram e a fazem. Uma vida bem vivida exige a presença do lúdico e da jovialidade, até das formas alternativas de coesão e de grupo, nem que seja apenas no plano simbólico. Mas, infelizmente, as praxes e os seus rituais de duração anual carecem dessa natureza e têm um peso no quotidiano estudantil que, creio, para a parte que neles participa, é negativo e desproporcionado, não se vendo em nenhum outro lugar do mundo. Cabe às universidades oferecer uma vida institucional mais rica onde estes rituais de consumo, de passividade e submissão, de arbitrariedade e humilhação, não possam ter lugar. Essa mudança é uma das mais prementes urgências da nossa Universidade e se o conseguisse fazer oferecendo alternativas pelas artes, desporto e conhecimento, tornar-se-ia uma instituição exemplar.

 

- Mensagem alusiva aos 100 anos da Universidade do Porto (formato livre)

As universidades são uma invenção medieval, com mais ou menos 810 anos de existência, resultado quase fortuito do consórcio ou universo dos estudantes e dos mestres. 100 anos são aí tão pouco tempo que a UP deve preocupar-se com os próximos 100. Contudo, pensar-se no horizonte dos próximos 10 já é um razoável exercício de incorporação da incerteza. Enquanto membro da Assembleia Estatutária que, após demoradas e empenhadas discussões, em 2009 decidiu a passagem da Universidade do Porto a fundação pública de direito privado, espero que essa decisão e os instrumentos que ela disponibiliza possam contribuir para o desenvolvimento de uma instituição que desempenhe melhor as suas funções públicas, em relação dinâmica entre os seus membros, a sociedade e o Estado. O conhecimento, que é o nosso ramo de negócio e de ócio, é uma aventura coletiva. E o conhecimento que importa é o que resulta em interação, que proporciona coesão e partilha solidária, e assim contribuiu para restabelecer equilíbrios ameaçados, sejam eles ambientais ou políticos, culturais ou económicos. Por essa razão, trabalhar e estudar numa Universidade dinâmica e com perspetivas de futuro é, nos dias de hoje, um privilégio. Como tudo será sempre uma questão de posição e de orientação, importante importante é que nos próximos 10, 100 ou 101 anos a Universidade do Porto não perca o Norte.

 
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