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Daniel Serrão: "A inovação deve ser o programa, por excelência, da Universidade do Porto"

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O Olhar de...

- Médico e professor português (mais informações)

- Professor Jubilado (1998) da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (1952-2005)

- Investigador reconhecido internacionalmente em áreas como a Biopatologia e a Bioética. Integrou, entre outros organismos, o Comité Internacional de Bioética da UNESCO, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e a Academia Pontifícia para a Vida.

- Antigo Estudante da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, com Licenciatura (1951) e Doutoramento (1959) em Medicina.

 

- Como é que teve origem e se desenvolveu a sua ligação à Universidade do Porto? Que principais momentos guarda da sua experiência enquanto estudante e professor da Faculdade de Medicina?

 

Tendo completado, em Julho de 1944, no Liceu José Estêvão, em Aveiro, o Curso Geral dos liceus e no ano seguinte, 1945, o Curso Complementar de Ciências, reunia as condições para frequentar uma Universidade. Como tinha tido média de 18 valores nestes dois exames finais fui dispensado de fazer exame de admissão à Universidade. Ao contrário dos meus Colegas que escolheram Coimbra eu decidi vir para o Porto para tirar Medicina.

 

O Curso era de 6 anos mas o primeiro ano era na Faculdade de Ciências. Assim, em Outubro de 1945, iniciei os Preparatórios de Medicina frequentando quatro Disciplinas: Física, Química e Naturais, Botânica e Zoologia. O chamado FQN na gíria estudantil.

 

De facto eu não tinha tido no Liceu a preparação básica para entender a Física atómica moderna que o Professor Carlos Braga dava, mesmo para os futuros médicos para quem iria ser totalmente inútil. Nem para a enzimologia que o Professor de Botânica versava, sabiamente, em vez da taxonomia das plantas que era o forte desta disciplina para os alunos da licenciatura em Ciências Naturais. O Professor Carlos Braga era um péssimo pedagogo, as aulas eram enfadonhas e eu não percebia nada do que ele dizia. Valeram-me dois Colegas, que tinham sido estrelas nos Liceus do Porto, que tinham frequentado, e me ajudaram a entender a matéria: o Araújo, que veio a ser um brilhante Professor Catedrático de Física na Faculdade de Ciências e o Walter, que foi Professor de Farmacologia e Terapêutica na Faculdade de Medicina. Ambos continuam hoje a manter a reputação justíssima de sábios e a darem à Universidade do Porto o seu superior contributo.

 

O Professor Manuel Ferreira era um grande Professor; grande em todos os sentidos, pois tinha um corpo volumoso e tinha uma inteligência superior que ensinava de modo a que os ignorantes nos mistérios das enzimas pudessem compreendê-lo. A noção de que a actividade de moléculas capazes de mudarem a estrutura das outras moléculas era a essência da vida biológica ficou-me gravada para sempre e não deixou de se enriquecer até hoje.

 

Na Zoologia ainda tive algumas aulas do Professor Mendes Correia que me abriu o mundo da arqueologia da vida, que cultivo ainda hoje. Na Química, o Professor Mendonça Monteiro, falhava algumas experiências de reacções químicas que fazia nas aulas teóricas, mas deu-me um bom fundamento para entender a reactividade própria da bioquímica em que o Professor Manuel Ferreira nos iniciava.

 

Completado este Curso passei à Faculdade de Medicina que era no edifício que é hoje do ICBAS. No princípio foi o choque do corpo morto e o brutal exercício de decorar a sua estrutura por um livro em francês, o Testut. Pensei que não conseguiria, mesmo passando horas e horas a ler e decorar. Foi nesta experiência que se enraizou em mim a convicção de que nenhuma dificuldade pode ser superior à nossa vontade de a vencer. Máxima a que continuo fiel e, quase sempre, com sucesso. Sei que não vencerei a morte mas estar vivo não é uma dificuldade, é um privilégio.

 

Fiz um bom curso de medicina, chegando aos dezanoves, nos últimos anos e acabei, não a fazer Clínica médica ou Psiquiatria, como sempre sonhei, mas a investigar e ensinar a disciplina mais dura, que foi a anatomia patológica. Doutorei-me, no prazo exigido, com a nota de 19,4 o que augurava a possibilidade de fazer carreira até Professor Catedrático o que veio a acontecer em 1971 vinte anos depois de ter concluído o Curso, com a idade de 43 anos.

 

Foi meu Mestre o Professor Amândio Tavares, um perito no diagnóstico histológico das lesões dos tecidos, em especial as inflamatórias e as tumorais, tendo desenvolvido, entre nós, o uso do microscópio e da técnica histológica para esta finalidade. Foi Reitor da Universidade do Porto durante 16 anos, 1945-1961, tendo realizado, à frente dos destinos da Universidade uma obre notabilíssima com a qual lançou as bases para a fixação dos dois Pólos, Campo Alegre e Asprela, nos quais a Universidade se tem, basicamente, expandido até hoje: Medicina, Economia, Engenharia, Motricidade Humana, na Asprela; Ciências duras, Ciências biológicas e, de certo modo, Arquitectura e Letras, no Campo Alegre. Fui seu discípulo não só na Anatomia Patológica mas igualmente em muitas das suas iniciativas circum-universitárias como o desenvolvimento do Centro Universitário fora do espartilho da Mocidade Portuguesa, do qual o Reitor Amândio Tavares o libertou.

 

A actividade docente e a participação nas obras de assistência aos jovens universitários, como as cantinas e as residências Universitárias, absorviam totalmente o meu tempo e posso dizer que, como estudante e como docente, vivi para a Universidade. Em 1974 era Presidente da Direcção da Associação dos Antigos Alunos da Universidade do Porto, que funcionava no sótão do edifício da Faculdade de Medicina, depois ocupado pelo ICBAS. Por ter estado demitido da função pública de Junho de 75 a Junho de 76, não consegui salvar o património da Associação, no qual estava, entre outros documentos que vieram da primeira Associação, fechada pela decisão política do Estado Novo, a folha da inscrição de Camilo Castelo Branco como estudante.

 

A boa vontade do Professor Nuno Grande não bastou para que se descobrisse o destino dados a esses valores não financeiros da Associação como a bandeira. Quanto aos valores financeiros - um depósito na CGD – consegui regularizar a situação com o então Vice-reitor, que aceitou receber o remanescente para a Universidade.

 

Como Professor creio ter cumprido a minha obrigação principal que era a de assegurar uma sucessão segura e competente. Apesar das muitas dificuldades, em 1998 saí e ficaram três Professores catedráticos. Dois, já a morte os levou, Victor Faria e Saleiro e Silva. Mas o terceiro, Sobrinho-Simões, demonstra que fiz uma boa escolha quando o convidei para Assistente e depois orientei os primeiros passos da sua carreira.

 

- Qual a importância da U.Porto no seu percurso profissional e que modo foi de encontro às suas expectativas?

 

Tudo o que já disse responde em parte a essa questão.

 

A Universidade do Porto deu-me a segurança de afirmar, depois de uma viagem para conhecer os Centros Universitários europeus e os principais grupos de investigação em Patologia, que não tinha nenhuma dificuldade em ombrear com eles em termos de conhecimentos científicos. E que a nossa produção só não era melhor e mais numerosa, porque as nossas universidades na época não estavam organizadas para darem prioridade à investigação dos seus docentes,

Pude participar em muito do que foi sendo feito, ao longo dos anos, para inverter esta situação. Em 1998, quando terminei a minha actividade docente, a situação estava substancialmente modificada e tive a satisfação de poder deixar na área da Biopatologia um Instituto de Investigação, o IPATIMUP, constituído e estruturado, e que o Professor Sobrinho-Simões tem sabido elevar a um alto grau de eficiência e prestígio, em Portugal e em muitos outros Países.

 

- Como avalia o papel desempenhado – no passado e no presente - pela Universidade no seio da comunidade (cidade, região, país)?

 

A Universidade do Porto tinha, quando nela estudei e durante os anos 50 e 60, um papel fundamental na cidade do Porto, onde era a primeira instituição cultural, e na Região Norte por ser a única Universidade a norte do Mondego.

A presença do Reitor, como era a do Professor Amândio Tavares que acompanhei mais de perto, em qualquer cerimónia pública era causa de um respeito e deferência singulares. Os Ministros da Educação compareciam no acto solene da inauguração das aulas e o Reitor não hesitava em apresentar as críticas que entendia dever fazer em defesa da Universidade.Com grande satisfação dos jornais no dia seguinte, porque estas notícias de acontecimentos com um Ministro presente não eram censuradas.

Direi que a Universidade do Porto tinha um prestígio próprio que não emergia da idade, como a de Coimbra, ou da proximidade do Poder, como as de Lisboa, mas da qualidade dos seus Professores e da independência política dos Reitores

 

A sociedade mudou e actualmente não funciona esta noção de prestígio social. E as Universidades, em geral, deixaram de ser templos do saber e da cultura, para serem estruturas eficientes de produção de profissionais ao lado de outras instituições, cada uma com seus fins específicos. Não há lugar para elitismos.

 

- Que caminho deverá ser percorrido para afirmar cada vez mais a Universidade no contexto regional, nacional e internacional?

 

Quem sou eu, aos 83 anos, para dar sugestões?

 

Direi que, na linha da nova concepção da Universidade como Empresa, o melhor caminho é o da eficiência na produção do que a Universidade decida produzir, sejam técnicos sejam pessoas cultas.

 

Hoje a questão do financiamento ocupa o primeiro lugar na cogitação dos responsáveis e o apelo aos gestores e às empresas é constante. Tenho dúvidas sobre se o modelo empresarial é o melhor para fazer viver uma Universidade como uma Instituição cultural, criadora e difusora de saber, mas o tempo dirá se estou certo ou errado.

 

- Mensagem alusiva aos 100 anos da Universidade do Porto (formato livre).

 

Viver 100 anos é muito bom para uma pessoa. Para uma instituição, como a Universidade, com vocação de vida perene, é só um princípio. Então que este princípio se constitua num sólido alicerce para o futuro. A Universidade deve estar na primeira linha de apoio ao País, em especial em período de dificuldades.

 

Das crises sai-se com inovação. E a inovação deve ser o programa, por excelência, da Universidade do Porto para os próximos 100 anos.

 
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